25 de fev. de 2014

Política e politicalha

A política afina o espírito humano, educa os povos, desenvolve nos indivíduos a atividade, a coragem, a nobreza, a previsão, a energia, cria, apura, eleva o merecimento.
Não é esse jogo da intriga, da inveja e da incapacidade, entre nós se deu a alcunha de politicagem. Esta palavra não traduz ainda todo o desprezo do objeto significado. Não há dúvida de que rima bem com criadagem e parolagem, afilhadagem e ladroagem. Mas não tem o mesmo vigor de expressão que os seus consoantes. Quem lhe dará o batismo adequado? Politiquice? Politiquismo? Politicaria? Politicalha? Neste último, sim, o sufixo pejorativo queima como ferrete, e desperta ao ouvido uma consonância elucidativa.
Política e politicalha não se confundem, não se parecem, não se relacionam uma com a outra. Antes se negam, se excluem, se repulsam mutuamente.A política é a arte de gerir o Estado, segundo princípios definidos, regras morais, leis escritas, ou tradições respeitáveis.
A politicalha é a indústria de explorar o benefício de interesses pessoais. Constitui a política uma função, ou um conjunto de funções do organismo nacional: é o exercício normal das forças de uma nação consciente e senhora de si. A politicalha, pelo contrário, é o envenenamento crônico dos povos negligentes e viciosos pela contaminação de parasitas inexoráveis. A política é a higiene dos países moralmente sadios. A politicalha, a malária dos povos de moralidade estragada.


Trechos escolhidos de Rui Barbosa.Edições de Ouro: Rio de Janeiro, 1964.

24 de fev. de 2014

Cãomicio no calçadão

 Cãomício no Calçadão 
Reunidos no calçadão central da Avenida Atlântica, entre as Ruas Souza Aguiar e Sá Ferreira, dezenas de cães participaram sábado à tarde de um comício autorizado, em princípio, pela Administração Regional de Copacabana. Eram cachorros das mais variadas raças e dos mais diferentes tamanhos, desde Pastores Alemães até miniaturas Pintcher. Junto ao meio-fio, no local da concentração, um carro-choque do Batalhão de Gatos, armados de unhas e dentes, garantia a ordem.
O primeiro a subir ao tablado, que era um engradado de refrigerantes emborcado, foi um Poodle branquinho, de rabinho cotó
- Nossos donos são irresponsáveis! - gritou ele
- Abaixo os donos irresponsáveis! - respondeu a multidão raivosa (embora toda ela vacinada)
- Todo poder aos cachorros! - prosseguiu veemente o Poodle branco, cujo focinho lembrava vagamente o de Jane Fonda, e que era tido, entre o Posto 6 e o Posto 4, como o líder inconteste do Dog-Power.
Em seguida pediu a palavra um Weimaraner azulado, de olhos tristes. Do alto do caixote, falou ponderadamente:
- Meus modos if... if... (estava chorando o coitado)... Meus modos refletem o do meu dono... Não quero mais passar vergonha sujando a calçada!
- Nós também não! - responderam em uníssono os manifestantes caninos. Lá do meio do povo, alguém latiu com voz de Pointer:
- Nossos donos precisam aprender que lugar de cachorro fazer suas "coisas" é em casa!
- Bravo! Apoiado! - concordou a cãonalhada.
- Pipi-dog! Queremos pipi-dog! - Puseram-se a ladrar as cadelinhas Basser, cinco ou seis, provavelmente da mesma ninhada. - Somos moças de família, e portanto temos direito a um lugar no apartamento, onde possamos fazer a nossa toalete em que os intrusos invadam a nossa  privacidade"
- Muito bem! Falou! Podem crer! - entoaram em coro os cinco Dobermans que moram no Edifício Chopin, um dos mais luxuosos de Copacabana, e que fazem pipi - vejam só a heresia! - na piscina do Copacabana Palace, que fica ali ao lado.
Agora, estava no tablado um musculoso Boxer, com sua cara abobalhada e seu tradicional bom coração.
- Senhoras e senhores - disse ele - sejamos objetivos. Desejo colocar em votação uma proposta simples, de três pontos, a qual, se aprovada, será encaminhada aos nossos donos, em forma de abaixo-assinado. Primeiro ponto:
- "Quero meu pipi-dog no apartamento"
- Apoiado! - gritou a assembléia
Segundo ponto: ... Mas, antes, para evitar tumulto, prefiro que os distintos companheiros, em vez de latirem, ladrarem, rosnarem e coisa e tal, balancem o rabo em sinal de aprovação. Aqueles que não mais possuem rabo poderiam uivar, mais docemente, pois uma de nossas preocupações principais há de ser a de não agravar a poluição sonora, de maneira a não indispor a opinião publica contra a nossa causa...
Todos balançaram o rabo, em silêncio. A questão do orador fora aceita. Ele então prosseguiu:
- Segundo ponto: - "Queremos fazer nosso cooper canino apenas no calçadão central da Avenida Atlântica..."
Rabinhos balançaram para lá e para cá: aprovado.
- Terceiro ponto: "É preferível que não nos levem à praia, onde involuntariamente causamos uma porção de doenças!"
Rabinhos alegres: de acordo.
- Desta forma - finalizou o Boxer - poderemos afirmar que somos felizardos e que temos donos educados!
- Nosso dono vai ser superlegal! - exclamou a assembléia, esquecendo a recomendação de só balançar o rabo.
Nessa altura, todos ali estavam com vontade de fazer cocô e pipi. Sendo assim, o Poodle branco decidiu dar por encerrada a reunião, recomendando que os manifestantes se dispersassem em ordem.
Mas nesse instante pulou no caixote um autêntico Vira-Lata, magrinho, de olhos famintos, as costelas aparecendo sob o pelo ralo, o rabo entre as pernas.
- Irmãos! - bradou ele, ou melhor, essa palavra num gemido - Irmãos! Todos somos irmãos! Todos os cachorros são iguais! Portanto, o verdadeiro problema não está no pipi-dog doméstico nem no pinicão de apartamento. O necessário é que todos nós, os de pedigrees e os da rua, os de raça e os vira-latas, tenhamos, todos. direito aos cuidados veterinários periódicos, à vacinação gratuita, à alimentação farta e balanceada, à coleira protetora com sua placa de identificação, aos banhos seguidos de talcos contra pulgas.. Viva pois a revolução! Todo o poder aos cachorros, sem distinção de raça, cor ou credo!
-Uh! Fora! - gritaram os cães de luxo, que pertencem todos, naturalmente, à Direita, e preferem que as coisas continuem como estão, no plano da justiça social. - Fora! Sarnento! Babão! Comedor de restos! Ralé!
A multidão de sócios do Kennel Club avançou na direção do anarquista, rosnando ameaçadoramente. Foi preciso que os gatos salvassem o Vira-Lata do linchamento inevitável, para o que o cercaram, dispersando a cachorrada com bomba de gás lacrimogêneo.


Em seguida, o Batalhão de Gatos levou o Vira-Lata para o lugar adequado a essa espécie agitador. Ele agora está sendo processado e é capaz de passar o resto da vida num canil-presídio. Acusação: trata-se de um CÃOMUNISTA.
 ROUBOCOPA

Estreou esta semana o filme Roubocopa, de José Padilha, o diretor de Troca de Elite 1 e da pornochanchada policial Troca Troca de Elite 2. Roubocopa é um remake e todo mundo já sabe como o filme acaba: ninguém vai preso! Misturando ação e corrupção, Roubocopa conta a história de um robô cibernético que é criado para substituir os políticos ineficientes que não sabem roubar direito e acabam sendo presos ou denunciados pela imprensa golpista.
A megalomaníaca produção da Odebrecht Goldwin Mayer custou mais de 200 bilhões de dólares, a maioria desviados da construção dos estádios da Copa no Brasil. A crítica ficou dividida mas, depois que o Roubocopa molhou a mão dos que não gostaram, os elogios foram unânimes.
Apesar de não ter assistido o filme (para não deixar influenciar a minha crítica isenta e imparcial), agora vou fazer um spoiler para sacanear os meus 17 seguidores e meio (não esqueçam que o Nelson Ned morreu mas continua vivo no meu coração). Roubocopa conta a história do Capitão Nascimento que, depois de ser metralhado pelas milícias, deu entrada num hospital do SUS. Ao examinarem o corpo do herói cravejado de balas, a junta médica rapidamente deu o diagnóstico:
- Ih, deu ruim!
O pobre Capitão Nascimento estava mais morto do que a oposição brasileira e o meu bilau. Mas graças aos avanços da Medicina (principalmente em direção ao bolso dos pacientes), o heróico militar foi salvo. Mas os médicos foram cautelosos e avisaram à família:
- Do jeito que tá, ser humano não dá pra ele ser mais… o máximo que a gente consegue é transformar ele num político.
O final da história todo mundo já sabe: Roubocopa se transformou numa máquina de roubar: se mudou para Brasília, se elegeu deputado da base aliada, casou com uma piranha que trabalha no Ministério da Pesca e os dois foram felizes para sempre!