Infelizmente, me faltam clichês e lugares comuns neste momento para comentar a
morte do meu amigo pessoal (e impessoal também) Millôr Fernandes, o genial
Millôr. Pena que o Millôr não possa comentar o seu próprio velório para demolir,
uma a um, as bobagens que as pessoas estão falando sobre ele. É por causa do
falecimento de pessoas como Millôr e Chico Anysio que eu sempre combati a morte
com unhas e dentes e, até hoje, me recuso veementemente a bater as botas. Para
desespero dos meus 17 leitores e meio (não esqueçam do anão que é o meu maior
fã, quer dizer, menor fã).
Orfão de pai e mãe ainda na infância, Millôr,
devido às más companhias, acabou caindo no jornalismo de imprensa. Conheci o
Millôr no tempo da revista O Cruzeiro, a Veja daquela época, que era dirigida
por Assis Chateaubriand que, mais tarde, desistiu do jornalismo para virar filé.
Eu trabalhava de dia em A Noite, de tarde em O Dia e de noite em A Manhã.
Brilhante, Millôr foi o maior frasista do Brasil, quer dizer, do mundo. Muito
melhor que Oscar Wilde que pode ser considerado o Millôr Fernandes da língua
inglesa. Millôr também traduziu Shakespeare para o português e ficou muito
melhor que o original. Jogador inveterado, apostou tudo no Pif Paf, semanário de
humor que os exames de DNA comprovaram ser o pai do Pasquim.
Escritor,
jornalista, dramaturgo, desenhista e artista gráfico, Millôr também exercia a
arte da conversa fiada com maestria. Ver o Millôr, ao vivo, falar com graça e
inteligência sobre praticamente qualquer assunto era uma espetáculo admirável e,
confesso, humilhante para nós, pobres mortais, que só usamos 10% da capacidade
do nosso cérebro e assim mesmo só para pedir uma propina.
E como se não
bastasse o Melhor Fernandes, lá se foi para a terra dos humoristas de pés–juntos
o grande Chico Anysio. A Santa Casa de Misericórdia não tinha caixões em estoque
suficientes para sepultar os 209 personagens do grande humorista, um dos poucos
cearenses que não virou sushi-man. Além de seus personagens inesquecíveis, Chico
Anysio contribui muito para o aumento populacional do Brasil fazendo um montão
de filhos. Para pagar tantas pensões alimentícias, Chico teve que ralar até o
fim da vida o que, aliás, foi ótimo pra nós, seus fãs, que também não
conseguíamos sobreviver sem as suas piadas. Generoso, Chico também era
preocupado com a educação e criou a Escolinha do Professor Raimundo que
matriculou muitos humoristas, alguns até que não sabiam nem ler nem escrever.
Polivalente, versátil e cheio de contas pra pagar, Chico fazia de tudo:
escrevia, atuava, dirigia, fazia músicas e pintava. Pintava e bordava. A
quantidade de mulheres maravilhosas que o esquálido pau de arara traçou supera
até mesmo o número de personagens que criou.
E eu vou ficar bem quieto
aqui no meu canto, na última página do Segundo Caderno, na minha, porque a bruxa
está dando um rasante pro lado dos humoristas. Por que é que esta sinistra
feiticeira não vai voar com a sua vassoura pro lado dos políticos, onde tem
tanta gente boa pra morrer e, assim, dar uma alegria pro povo brasileiro?